Eu vivia no piloto
automático e nem percebia. Muitas vezes o dia era bom e eu não dizia, a noite tão
tranquila que nem existia... havia tão poucos problemas que eu precisava de uma
nova fábrica. Agora, entre centenas de pensamentos que buscam respostas de uma
certeza impossível, entre as paredes intransponíveis da casa e os muros ora gigantes
do pátio, eu me deparo com um mundo que havia se tornado invisível.
Estamos em quarentena aqui
em casa há dias, provavelmente ficaremos outros tantos. Neste tempo alongado
onde a rotina parou, compreendi que precisamos permitir que o vazio se
comunique. Sim, o vazio... a voz do silêncio nos tem muito a dizer. Passei a
ouvir mais as plantas, entender as horas, conectar com aquela música que me
lembra o quanto é bom e único estarmos vivos neste planeta abençoado, que nos
nutre de amor e energia tão sensíveis que na maior parte das vezes não conseguimos
alcançar. A alegria da horta, o singelo canto do pássaro repentino, o carinho
no cachorro amigo, a saudade de uma pessoa distante e a vontade de dizer eu te
amo para muita gente... Isto tudo faz parte do mundo sutil e sua inovadora
tentativa de nos fazer compreender que o amor, o respeito e a esperança sempre
deveriam estar acima de todas as coisas.
Hoje desconectei de
péssimas notícias e vou focar nos meus amores. Embora estivéssemos sempre
juntos, nunca estivemos tão perto. Estes dias de clausura me trouxeram uma
redescoberta, uma reconexão com aquilo que tenho de mais valioso e que, muitas
e muitas vezes, pelo afã do falso tempo, eu não pude ver. Do olhar dos meus
filhos, repleto de esperança límpida e ingênua, me vem uma única e vital
certeza enquanto aguardo o novo mundo bater em minha porta: o futuro é belo, há
mais amorosidade, respeito mútuo, compreensão, solidariedade e generosidade. O
mundo que está nascendo agora clama por menos consumo e mais respeito com a
natureza, mais gentileza e compartilhamento, mais amizade, proximidade, carinho
e compreensão. Os dias novos que estão chegando são aqueles que estávamos
esperando, já existiam mas não conseguíamos ver.
Ao brindar o nascente
mundo novo, resolvi não conectar na dor do parto, mas na beleza do nascimento.
Compreendi que logo isto também passará, nossas vidas irão se normalizar e
seremos, enfim, também pessoas melhores, que entendem a linguagem do coração,
que somam os seus privilégios e dividem suas dificuldades, que sabem o real
valor das coisas e não apenas os seus preços. Nestes breves momentos eternos,
elevo o pensamento e rego a semente do amor com esperança e tranquilidade de um
jardineiro que deseja uma árvore vistosa, cheia de frutos e belas flores. Tenho,
como nunca tive, uma súbita convicção de que tudo aquilo que mais amo merece isso
de mim.
Quem tem amor não tem
medo!