segunda-feira, 20 de agosto de 2012

VINHO E BARRIL

O Caboclo me contou que andou trabalhando numas vinícolas de Santa Catarina e que ficou impressionado com os barris de carvalho, utilizados pra guardar o vinho. Segundo ele, a madeira do carvalho auxilia a produção de bactérias que atuam no processo de fermentação da uva. Deste modo, cada barril só guarda, durante toda sua existência, o mesmo tipo de vinho, ou seja, o barril está condenado a sempre, sempre, ter o mesmo conteúdo.

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Eu lembrei das tahãs, ave da espécie palamedeidae, e sua fidelidade incrível. Ela (ou ele) escolhe seu parceiro tahazino e com ele permanece por toda vida. Tanto é que é raro encontrar uma tahã sozinha... quando isto acontece, é porque já viuvou ou porque ainda não encontrou sua metade-tahã!

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O que há de comum entre um barril de carvalho e uma tahã é o predeterminismo de suas, por assim dizer, escolhas. O barril se entrega ao vinho e não pode escolher nem outro tipo de uva por toda sua vida (vida?). A tahã escolhe seu parceiro e não troca jamais... e geralmente morre depois da morte do concubino... e são provas de inexorável conclusões.
Pros humanos, parece que não há conclusões eternas... conceitos permanentes. Nosso ideário se modifica, pois somos nós e nosso ambiente e, tanto um quando o outro se modificam sem parar...
Eu, particularmente, não posso estar vinculado eternamente às mesmas ideias... E embora erre, percebo este erro também como degrau de uma caminhada.
Não quero ser barril nem tahã... embora tenha amores eternos, a forma de amá-los também se transforma.
E mesmo que eu saiba alguns atalhos do mundo, vou
[várias vezes
escolher um caminho diverso, mais longo, mais impreciso.

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Porque o barril é um escravo da temporalidade.
Mas o vinho é livre!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

UNA RUTA

Velhas estradas do Uruguai... vazias como um solitário coração.
Longas e esquecidas, ganham significados alvos de esparsas nuvens pelo céu azul.
Chego a um lugar de nomes estranhos, uma proximidade distante, uma língua que me parece comum.
Eu acordo na noite e me banho numa piscina quente.
Sobre a cabeça, galhos nus de um umbu que resiste já a outros tantos invernos. Acima deles, um terceiro degrau formado de estrelas que, enquanto bóio, mudam de lugar.
Eu observo a tudo, constantemente, e as ideias se formulam dentro de minha cabeça.
As frases vão se agrupando, como as conclusões.
E eu, que buscava o vazio no silêncio de uma madrugada, em poucos segundos, estou transformado num reduto de novas certezas.
Anoto-as.
Degraus da infinita escada do meu crescimento.

***

Pássaros cantam sem parar.
Vários tons invadindo meus ouvidos.
Eu me confundo entre um e outro, escuto outros mais além...
Um bem-te-vi eu reconheço... outros de pena amarela nunca vi.
Não sou ornitófilo nem quero que me chamem mais de poeta.
Sou apenas um observador num mundo vazio.

***

Vendedores chamam nas portas de lojas e não sabem quem eu sou.
Das coisas que gosto, eles não sabem nada.
Lançam-me ofertas como iscas aos peixes.
Lançam a todos, uma pescaria interminável.
As pessoas entram, dizem que estão olhando as coisas.
Olham gratuitamente, sem motivo algum.
De repente, elas acham que carecem tudo.
E acham bonito o movimento das moedas pelas mãos, que já não abraçam nem acalentam.
Tristes mãos... nem mais humanas são.
Eu ando pela rua procurando pedras.
Na verdade, estas ruas formadas por pedras multicoloridas, de vários formatos, são viciantes para mim.
Eu miro as pedras.
Uma-a-uma.
Do macro ao microdetalhe... elas sempre se parecem com alguém.
Com bichos e coisas...
Esta mania das pedras e nuvens quererem ser o que não são.

***

Num instante acho duas.
Duas pedras pequeninas.
Observo-as... identifico-as, dentro do meu psiquemundo.
E uma delas descarto, por deixar de amá-la tão célere
[e veementemente.
E reflito então, com a pedra que resta.
Que o que me fez achá-la pode ser sorte ou acaso.
[para ela e para mim!
Pode ser destino ou simplesmente fato.
Num universo de fatos que igualmente poderiam haver sidos.
Mas escolhi aquela, legítimae indiscutivelmente
[ou ela escolhera a mim.
Dentre tantas, apenas ela.
E isto já é uma coisa intrigante e mágica.
Uma magia simples e sutil.
Quase desapercebidas, passam muitas
[passam mil
magias contando segredos da vida.
De ontem e de amanhã.
Porque a vida é onde o ontem e o amanhã se encontram.
Se misturam... se fundem...
E se explicam em vários momentos.