quinta-feira, 26 de outubro de 2017

CUCO

Te amar
Parecia um tempo eterno
[de um relógio infinito

Porém um dia, a engenhoca amanheceu toda quebrada
E o cuco velho que cantava pela hora errada
Voou embora, pra buscar um céu bonito

Na noite afora
Você doidou assim despendulada
Crendo que a vida virou cinza madrugada
No som ausente deste rouxinol

E só agora
Que um novo cuco encantou tua morada
Eu vi que nunca existiu a hora errada
Depois da noite volta sempre o sol...

Eu disse então
Este relógio que desperta sem aviso
Se torna exato de tão impreciso

Ponteiros soltos pela imensidão.

OS CARAS

Hoje os caras podem diagnosticar, em 150 cliques, o teu perfil sociológico, opção sexual, orientação política, gostos, preferências artísticas, tudo. Quando tu escolhe teu autor e banda favorita, por exemplo, as promoções e lançamentos deles nas livrarias vão chegando o tempo todo. Aí tu procura um produto na internet e recebe todo dia um monte de oferta, até que o produto te acha. Passagem aérea também: tu procura num site e os caras já sabem pra onde tu viaja ou pra onde tu gostaria de viajar. Por exemplo, as antenas. Os caras descobrem de onde tu telefonou por causa da antena mais próxima... E também tem as câmeras espalhadas por toda cidade, te filmando o dia inteiro, mapeando teu roteiro, tuas lugares, tuas manias. Hoje em dia os caras conseguem qualquer informação. Não adianta apagar as mensagens, as fotos, os áudios. Os caras buscam na nuvem deletada! Um amigo meu tinha umas fotos de mulher pelada... ele deletou e elas voltavam a cada backup. A agenda também. Hoje se os caras quiserem eles buscam tua movimentação bancária, cruzam teus dados. O plano deles é te chipar, porque depois de chipado, mano velho, os caras vão poder fazer ainda mais. Te esterilizar, te cortar o cpf, a conta bancária, título de eleitor, ver os teus antecedentes criminais. Tudo no chip. Passou o scanner e bip. Tudo número! Nú-me-ro! Tu vai ser um número, meu: 13.752. Aí os caras que já sabem de tudo, vão poder saber de tudo mais depressa. Vão botar lá: 13.752! Pirili pirili vai aparecer projetado no ar tua imagem com todas as informações. Onde tu vota, quanto tu ganha, profissão e tal. E os e-mails que tu manda? Nunca mais voltam, meu. Tu pode apagar eles lá, mas os caras podem acessar, de qualquer lugar, tudo. A polícia, por exemplo. A polícia vai poder te enquadrar e ler teus mails. Ela serve pra proteger o sistema, né meu chapa? Ou tu acha que a polícia protege o cidadão? A polícia vai ser toda robocop. Aí tu tá caminhando de noite e ouve aquela sirene, luz azul e vermelha, motos voadoras, aí desce dois robocops e te rendem. Aí só pelo chip eles já sabem se tu é pilantra ou gente boa. Aí eles dizem se tu pode ou não ficar ali, porque o chip também mostra se tu é burguês ou se tu é do povo. Se tu é rico, tu vai ser liberado. Se tu é pobre, te ferrou meu mano. Te ferrou.

Só...

Os caras são fogo meu amigo. Tu acha que tu te governa mas quem governa tudo são os caras lá ó.

Podes crer.

Tá indo pras bandas do Porto?

Tô.


Bora lá que eu vou contigo então.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

CAMARADA

Não adianta, meu amigo
Desta paixão avassaladora
Ninguém pode proteger-te
Vais cair, não há escolhas...

Abre o olho, camarada
Depois da queda, há os dias
Longos dias para ser sincero...

E você vai ficar
Olhando pra ela como o cão olha pro frango
E ela então se sentirá
Como o último copo d’água no deserto,
A última gasolina do posto,
A última seda de domingo...

E só então você saberá
Se era tudo uma armadilha
Se valeu esta comida

E se ela também vale o que come.

A FELICIDADE

A felicidade
Se escondeu em um futuro
[imprevisível

Atrás dos montes de tristezas passageiras
Bem acima do hoje e seus vagões

A felicidade
Parece estar à espera
Tão distante e dependente
De diversas decisões

Tola máscara
Que de mim não se despede nem se vai
A felicidade
É agora ou nunca mais.

SE EU FOSSE UM MACACO

Se eu fosse um macaco
Comeria bananas
[e macacas

Macacaria pelo mundo afora, sem parar,
Olhando pro céu
Olhando pro mar
Só curtindo os não-dias de semana...

Mas o trem da evolução
Nunca chega na estação
Sempre andamos
Macacos e os primos humanos
[e a pós-humanidade

Se eu fosse um macaco
Viveria só de sol
[e bananas.