quarta-feira, 23 de março de 2011

PÉTALAS AO VENTO E FLOR


Numa branca folha
Uma breve história
Cheia de palavras, vestidas de letras
Vindas pela trilha azul de uma caneta
Contando um pouco de verdade em cada verso
Que resta imerso num caderno de ilusões

Pequena história
Teu final é sempre agora
E teus heróis se quedam tolos pelo chão

Talvez tua narres o que eu mesmo desconheço
A cada fim, um recomeço
Pétalas ao vento e flor.

terça-feira, 22 de março de 2011

ENTRE A VIDA E A MORTE


A morte é uma coisa tão intensa que depois dela eu não vou fazer mais nada. Vou ficar deitadão no éter, observando as formas das nuvens, ao contrário do Vicente, eu já falei pra ele, que ele vai ficar vendo as formas nas brasas do cramunhão.
Mas o fato é que eu não tenho medo de morrer: eu só tenho medo é de deixar de viver. Isso é realmente uma pena, eu deixar de viver, porque a vida é uma delícia. Mas tudo bem: na real eu não conheço outra coisa que não seja ela, a vida. E se conheço, não me lembro.

***

A morte é pior que o voto, que só é obrigatório a partir dos 16.

***

A morte é de matar.

***

Há muito que morrer deixou de ser coisa de velho. A uma delas, a morte e a velhice, estamos todos condenados. Mas aí a Kelly me perguntou as coisas que eu faria, realizaria ou gostaria de realizar antes da morte sentar na minha mesa. E eu, que a cada dia me conheço menos, diria que muitas coisas fortes aconteceram na minha vida e eu nem questiono os sês que as cercam. Nada acontece por acaso e tudo tem que seguir a linha do presente, a onda do agora, sem questionamentos das coisas que seriam. E então eu não mudaria nada, pois nada existe mais além do momento exato em que respiro.
Eu vi meu pai morrer e vi meus dois filhos nascerem. Já morei no mato. Já tomei banho de rio no alto inverno. Conheci mendigos e personalidades, plantas e pessoas. Já briguei com um cachorro pit bull. Já tomei sorvete de pistache e comi geléia de pimenta. Agora, Kelly, a coisa que eu mais quero é morrer sem desejos.

***

Toda liberdade é mental.

quinta-feira, 17 de março de 2011

AUTOSSÍMIO


Lembrei de um fotografia.
Meu pai e minha mãe, de mãos dadas, na cascata do Itiquira.
A foto existe, ao contrário de meu pai.
Digo, nesta dimensão.
[a dimensão dos disfarces.

Mas no meu sonho, tudo continua.
Parece ontem, parece amanhã.
Minha mãe irá.
Depois eu, depois meus filhos.
[a fotografia ficará um pouco mais

Então eu tive a sensação de que ainda era criança.
E era então o pai de um outro filho.
Não só o filho de outro alguém.
E joguei bola pela grama.
Enquanto a vida terminava.
Sempre terminando, desde que nasci.
E terminando rápido.
E eu jogando.
E fiz um gol.
E a vida terminando...
Ganhei abraço.
E um sorriso.
Do pai, da mãe.
E a eternidade, disfarçada de genética.
Vem dos símios até mim.
E continua vindo.
Como um trem sem fim.
[um trenzão sem fim.

IMPERMANÊNCIA


A suíte em que eu costumo ficar no sonho está fechada pra reformas.
[ou deve estar

Faz um mês que eu não a visito.
Desde o último capítulo.
Mas o fato, e bom fato, é que ela me conduziu a um preceito fantástico.
A impermanência.
Pois nasci condenado à tridimensionalidade, à matéria.
Ao corpo.
Ao mundo.
[ao mundo que cerca o mundo.

E o mundo tem uma mania alucinante de mudar a toda hora.
Tão contagiante que atinge até mesmo as ideias mais restritas.
Residentes uma dimensão acima.
[escondidas no fundo das entranhas duma dimensão acima

Contaminadas pela mania de mudança, as certezas também mudam a cada piscada.
E se tudo muda, e eu também quero poder mudar.
Aqui fora.
Nesta vida.
Do início ao fim.
Da mentira à não-mentira.
[e voltando à mentira-não-mentira

Na frequência lunática de conclusões obsoletas.
Que se sobrepõem como os agoras.
Porque a certeza é como um barco acorrentado à corredeira.
E eu não quero, a partir deste momento.
Ter razão alguma, moldura, apelido ou telefone fixos.

Por isso eu peço que mesmo que eu jure
[de pé juntos

Jamais acredite no que eu digo.

O OBJETO SIM


O Objeto, diferente de tudo, condensando todas as formas geométricas na própria figura e, aos tenros e jovens olhos da multidão, ele não tinha nenhuma explicação...
O Objeto mais estranho de todo mundo
[deste e doutros mundos

Sem cor definida
E que a distância relativa do observador se tornava um elemento de inconstância em sua, nossa percepção.
De cada grau, uma visão...

Absoluta e constantemente variável, o Objeto era o grande enigma de todas as culturas, todas civilizações.
E o Objeto, nunca, em toda história da humanidade, fora decifrado.
Nem por fora, nem por dentro.
Por nenhuma religião.
E posto em funcionamento, ficava ainda mais estranho.
Qual a sua utilidade?
Qual que é sua função?

Todos os mestres e sábios o manuseavam, o Objeto, e tão pequenas eram suas conclusões.
Porque o Objeto mudava a toda hora.
E eram tão fugazes todas as informações...
Suas variedades eram tão mutáveis que todo conceito acerca dele, do Objeto, já, no próximo momento, era ultrapassado, ineficaz, prescrito - sem valia.

Então o cara.
Parecia um sufi, talvez o próprio Rajeneesh.
Levantou-se com o Objeto na mão e perguntou se era laranja.
Eu disse: Não.
E a minha resposta fora tão incompleta quanto toda biblioteca.
Toda Bíblia e Alcorão.
E ao mesmo tempo, se fez verdade absoluta.
Posto que era uma visão.
E o contraluz alaranjou o Objeto.
E Rajeneesh me sorriu.
Disse que eu não estava certo nem errado.
Apenas estava...
E eu entendi que somente nada é repleto de razão.

O Objeto se chamava vida.
Uma certeza atrevida.
[ou também não!

ETHIOJAZZ


Aquele timbre agudo do saxofone já não estava mais apenas em minha mente, já atravessara camadas geologicamente definidas, zanzava no universo, no silêncio do vazio, como uma molécula que, na simples e discreta atuação de uma molécula, subexiste às bombas e teorias, aos governos e contratos, aos sonhos e aos desejos...
[do nunca pro sempre

E foi então que eu vi que o mundo precisa muito menos de mim do que eu dele.
E a minha verdade é a somente a forma de eu me prender neste planeta.
E de eu não ficar a esmo.
Como uma molécula.
Como algo que fica, vaga e depois some.
[vago som...

ESCADARIAS BRANCAS


Sonhei com um amigo que morreu há 7 anos.
Ele tinha pulseiras folgadas, que corriam pelo braço conforme o movimento.
E tinha recém acordado, ele, no meu sonho.
Me dissera que havia um lugar legal para o pernoite.
O Grande Hotel, no centro de Pelotas.
Mas quando eu cheguei lá, o Grande Hotel era totalmente diferente.
Era um lugar que eu já visitara, em outro sonho.
E eu sei que já estive lá, apenas não recordo quando.
Em qual das vidas.
E onde era aquele outro Grande Hotel...
Ele tinha escadarias brancas.
Quartos grandes.
Parecia um palacete, com elevador estranho.
Eu tinha medo daquele elevador.
Ele não parava exatamente nos andares.
E sim em meio-pavimento.
Encontrei sobre a lareira fotos antigas.
Da gente tocando violão.
Um cachorro diferente.
E eu me vi numa dessas fotos.
E foi a primeira vez que eu me vi de corpo inteiro num sonho.
E eu tinha dreds no cabelo.
E o meu amigo já não era aquele.
Mas um amigo vivo.
Vivo na vida, quero dizer.
Eu acordei pensando o diria aquilo.
Enquanto um banho colocou-mem pé.
Olhei detalhadamente as costas da mão...
A água corria pelo corpo... as temperaturas fazendo média...
Percebi que a mente, naquele instante, estava sincronizada à pele.
E, na minha efêmera noção de realidade, tudo estava tão normal.
Porém, todo real é deveras diferente.
O banho acabou.
O dia mudou.
Diversos locais distantes daquele branco hotel.
A volta do ponteiro, já não era aquele sonho.
Mas ele continuava aceso, por assim dizer.
Numa memória estável e frequente.

Foi então que eu percebi que a realidade é uma ilusão.
Tão mera, tão ocasional.
Como histórias contadas na fogueira.
Tudo desaparece, aparecendo o novo.
A felicidade e a tristeza...
Nada fica, tudo vai.
Tudo existe e não existe mais.
Não adianta nem querer nem desquerer:
A vida existe por si só, como uma ponte pra lugar nenhum.
Como um rio que vai pro mar.
Como um hotel branco num lugar descolorido.

sábado, 5 de março de 2011

MEUS DINOSSAUROS


A computação gráfica anda tão avançada que está difícil de convencer meu filho de 5 anos que os dinossauros não existem mais.

***

No cinema 3D, o avatar jogou uma granada e todo mundo foi pro chão. E eu pensei, naquele momento, qual a fronteira entre o real e o imaginário... porque o imaginário também é real, ou será que aquele maluco dançarino não escuta música nenhuma?

***

Dentro dessa sopa-do-diabo que se chama mundo, entra tudo, real e imaginário... Compõem a receita, magistral e multiforme, onde cada degustador sente um sabor diferente... cada um com sua loucura... cada um com sua realidade... cada um com seu dial, para captar o imaginário e a realidade dos outros e juntar aos seus, na redoma da cabeça, na receita do conceito.

***

E eu vou aproveitar que meu dinossauro chegou e vou dar uma banda na praia.