quinta-feira, 19 de novembro de 2009

TEERÃ 43


A declaração oficial redigida pelos três líderes reunidos em Teerã parecia justificar tais esperanças. Stalin, Churchill e Roosevelt concordavam em que seus países deveriam manter a cooperação mútua tanto naqueles tempos de guerra quanto na construção da futura paz. Ressaltavam que era necessário "banir por muitas gerações o flagelo e o terror da guerra".
Depois da foto, os três reuniram-se a cerca de um farto manjar. Enquanto comiam, Stalin peidou. Churchill olhou rapidamente a Roosevelt, mas nem tão rapidamente que Stalin não notasse aquele olhar de reprimenda. Roosevelt enrubreceu.
Ali começava a Guerra Fria.

TUDO, TUDO


O amontoado de coisas que penso
Empilhadas no desajeito do dia
Lembra algum depósito de coisa antiga
Um lixo colorido, de uma cor opaca
Em um gris unido

E quando me liberto
[provisoriamente
De um pesado fardo que
Mesmo sem corpo
Soterra a mente, cola os pés e fecha os olhos
Sinto-me vazio
[um vazio constante

E desapareço
No insólito desejo
De ser tudo, tudo.

BOCA, PERIGO DA LÍNGUA


Acento circunflexo
Ú tremado
Ponto de interrogação
Próclise, palíndromo,
Advérbio e locução

Ele escreveu “Naõ Páre”
Numa porta de garagem
Num pneu, “Ultra Lavage”
E numa carta de amor
Ele disse “Vóuta logo”,
“Praser” e “Buquê de flo”.

sábado, 14 de novembro de 2009

TONINHO RAPADURA


O cara era boxeador desde os 3 anos de idade e, no mundo dos ringues, seu apelido era Toninho Rapadura. Isto porque era acostumado a arrancar dente dos velhos e derrubar os outros pelo "estômbigo", como ele dizia.
Costumava falar que onde sua mão batia, não nascia cabelo. Era o diacho chupando manga. Mas depois de perder aquela importante luta por uma importante confederação mundial em uma importante capital brasileira e acordar nos vestiários zonzo, querendo ir embora a pé, tudo mudou.
Agora ele esmurra o balcão do bar do Zé e pede, com seu vozeirão de 124kg:
Um copinho de leite, por favor...

O HOMEM FEIO E O HOMEM MAIS FEIO (à moda dos chineses)


Preso porque assutava as criancinhas o homem feio foi conduzido à Polícia. O delegado olhou-o e concordou que sua cara era, em verdade, um perigo público. Colocou-o na cadeia durante dois meses pelo crime de feiúra(1). Hong-Fung-King chorou muito atrás das grades, mas isso de nada adiantou. Insistia que não era feio por querer mas obra de condições ancestrais e metafísicas. Enquanto isso os dois meses se passaram. Solto, protestou. Gritou ao delegado que era vítima de uma exceção. Que com os outros não faziam o mesmo. Ponderou o delegado, com rara sabedoria(2), que o tratamento de exceção que lhe davam era devido ao fato de ele ser um feio excepcional. Hong-Fung-King disse que todos os feios da cidade deveriam ser submetidos à mesma penalidade.
- Mas nenhum chga a assustar criancinhas, como você, com o simples mostrar-se.
- Deve havê-los feios como eu. Não queira me fazer mais feio do que sou.
- Previno-o, filho, a que não busque encontar gente pior que você. será seu mal e sua morte. Você se decepcionará e viverá para sempre humilhado. Confie em mim: você é pavoroso.
- Pois bem, eu lhe trarei aqui pessoas mais feias do que eu, vivendo nesta mesma terra. Mas o senhor, como delegado, terá que condená-las, como fez a mim, por crime de espanto e atemorização.
- Não farei isso. Alguém mais feio que vocêmerece a morte. À vista. é um perigo público, um espavento, uma coisa de outro mundo. Se encontrar alguém mais feio, pode matá-lo onde encontar.
Hong-Fung-King partiu, então, munido de um revólver que o próprio delegado lhe emprestou(3), e disposto a liquidar quem fosse pior que ele em seus atributos físicos. Do decorrer dos dias tirou apenas o que o sábio delegado lhe dissera: uma humilhação cada vez maior. Reparando bem em seus traços fisionômicos, e comparando-os com a gente que encontrava , forçado lhe era concluir que ainda os mais feios não eram tanto quanto ele próprio. De modo que a sua mágoa crescia, seu ressentimento aumentava, sua dor o devorava. Até o dia em que, ao dobrar uma esquina, deu com algo de arrepiar os cabelos. Olhou bem e chegou a conclusão de que aquele era pior do que ele. Ergueu o revólver e disse para o homem aturdido:
- Vou matá-lo!
- Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? - interrogou o homem numa repetição enfadonha ditada pelo pavor.
- Porque tenho uma ordem: - explicou Hong-Fung-King - a de livrar a face da terra de qualquer homem que seja mais feio do que eu.O homem olhou-o aterrotizado e, juntando as mãos em atitude de oração, disse, os olhos esbugalhados:
- Eu sou mais feio do que o senhor? Sou mais feio? Então, por favor, pelo amor de Deus, me mate!(4)

MORAL: DAS CONDIÇÕES FÍSICAS TIRE-SE UMA ESPIRITUAL: NÃO ACUSEMOS NINGUÉM DE BURRO PORQUE ELE PODE SER DESSES QUE TÊM UMA RESPOSTA PRONTA E BRILHANTE E ENTÃO, QUEM SERÁ O BURRO?

1. Art. 248. Parágrafo 8, do Código Kaligeno.
2. Era um delegado Chinês, não esquecer.
3. Ironia.
4. A história, literalmente, termina aqui porque este é o ponto dela que interessa, mas em verdade, ela termina com a funda consciência de Hong-Fung-King em ser o homem mais feio sobre a face da terra. Se vivesse na era atual e em Hollywood, no mínimoganharia um Oscar. Não sendo assim destinou a si próprio a bala que reservara ao homem mais feio.

Retirado do livro "Fábulas Fabulosas" de Millôr Fernandes. (Recomendado)

FUTEBOL É FUTEBOL E VICE-VERSA


Eu estava vendo futebol na TV, quando me passou pela cabeça o fato de que tudo (ou quase tudo) está refém da modernidade, uma prisão inevitável dos adventos tecnológicos.
O cinema da Era digital, a cada hora que passa, insere em sua linguagem computação gráfica progressivamente impressionante, fazendo o mundo ruir, os dinossauros viverem, a visceralidade do sangue ferver, carros explodirem e outros tantos... A medicina usa cada vez mais artifícios eletrônicos em microcirurgias e estudos alopáticos. A comunicação rasgou qualquer possibilidade de distância e os formatos de mídia estão diminuindo de tamanho e aumentando de qualidade.
E ainda há todo o mundo de fatores onde a robótica, a cibernética e a ótica estão revolucionando a mente humana e enlouquecendo a vó Sofia.
Agora, no futebol não!
No futebol não adianta... nunca haverá esse papo de raio laser, de chip na bola, de controle cibernético. O máximo que o futebol permite é o fonezinho que conecta o juiz e os bandeirinhas. Só! E aqueles carrinhos de golfe que recolhem o jogador lesionado, mas aí a culpa é toda (e exclusiva) do golfe, que criou esta balbúrdia.
Malditos golfistas... Bom mesmo era o tempo da maca.

***
E teve um magro me dizendo que no futuro o juiz será um robô que nunca erra. E que haverá um controle óptico que liga as traves e indicará quando a bola passou pela linha, mudando a cor da redonda (eletronicamente chipada). Também vai haver um telão, onde o lance polêmico será repetido, possibilitando ao juiz rever o veredicto (se o juiz-robô perfeito demorar muito a ser inventado, claro). Ah... ele disse também que vai ter câmeras por tudo... até dentro da bola, no olho do jogador, câmera-mosca (que acompanha a jogada de pertinho, voando) e que os uniformes serão absurdamente tecnológicos, de pele de tubarão ou sei-lá-quê, e possibilitarão aos jogadores voar longas distâncias e fazer piruetas acrobáticas inexplicavelmente malucas.
Mas num futuro nem tão distante, o plano é que o futebol seja 100% virtual. Nem existirá mais essa mania antiquada das pessoas irem ao estádio, nada disso. Tudo virtual, em 5D. Os jogadores serão criados por ultraPCs e serão comercializados via internet. Cada jogo será roteirizado por quem pagar mais, claro, mas o lado bom é que nunca mais haverá um 0 x 0. Nem jogo morno, nem cai-cai. Só jogaço, com goleadas massacrantes e viradas heróicas aos 79 do segundo tempo, com 5 em campo.
E quanto às brigas de torcidas, serão marcadas por e-mail e acontecerão em lan houses, onde programas muito sofisticados simularão uma briga de rua e a torcida que perder terá seu login cancelado pelo servidor local. Vai sim...

***

Mas tudo muda na segunda divisão. Na segundona a grana é menor e os investimentos tecnológicos serão restritos. Só microfone de juiz. Será usada bola de couro e campo molhado, com gente (gente mesmo, ser humano de verdade) sentada em arquibancadas arcaicas de cimento, ao céu aberto (urghhh). Haverá suor, troca de camisa e aquelas idiotas comemorações de gol. Mas só praqueles conservadores que pararam no tempo, tipo colecionadores de vinil.

***

É o mundo... o mundo gira, e eu parado fico tonto.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

37


Estar
É como mergulhar no mar
E ver
Como a um raio colorido na janela...
É bela
Só como ela
E nada mais...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

SOFRO MAS GOZO, A BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA DO MARINHEIRO POPEYE


Trecho extraído de uma entrevista à revista FAMA, em janeiro de 1985.

FAMA: QUER DIZER ENTÃO LEMBRA BEM DO MARINHEIRO POPEYE?
Popeye? Claro, como é que eu não lembraria do marinheiro Popeye? Conheci Popeye em 1972, numa expedição pelo Ártico. Naquela época, ele ainda não era dependente. Tinha uma alimentação desregrada, lembro bem... só queria enlatados, mas nada de entorpecentes e álcool ainda...

FAMA: E ELE APARENTAVA SER UMA PESSOA NORMAL?
Ele era bonachão... gente boa mesmo. Lembro bem quando ele tomou o primeiro porre e fez xixi no armário... Bah... a Olívia ficou de cara... Mas ela ainda não tinha nada com o Brutus, ainda... O Brutus ela foi conhecer depois, em 1974... aí foi paixão à primeira vista, né!?

FAMA: E O POPEYE, COMO REAGIU?
Ah... o Popeye ficou de cara né? Quem não ficaria? Quando a Olívia foi morar com o Brutus, ele enlouqueceu... Bebia todo dia... Bequiardigava... Começou a usar drogas e a se deprimir... Ninguém tirava ele do quarto, um horror...

FAMA: VOCÊ NÃO CONSEGUIA AJUDÁ-LO?
Ajudar como? Ele tava loucão!

FAMA: MAS VOCÊ SEGUIU VISITANDO ELE, NÃO?
Segui sim... toda semana eu ia ver ele, mas aí sabe como é... ele começou a ficar violento... perigoso. Se infiltrou no meio das prostitutas e do tráfico... depois eu nem reconhecia mais ele.

FAMA: E QUANDO ELE MORREU?
Antes dele morrer ainda tirei uma foto. Ele tava mal. Ainda piorou, depois desse tempo todo, quando soube que a Olívia tinha engravidado. Aí foi a gota d´água...
(...)
Aí morreu, né!? O pessoal todo do Sindicato foi lá, prestou homenagem. Até o Brutus apareceu. Mas tudo bem, a vida continua...

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS SUBSTANCIAIS ENTRE EU E UM MACACO


É impressionante como o tempo come os dias... Me bota ruga na cara, ideias na cabeça de toda humanidade... Vem verão, vai verão, e os pôres-do-sol nos distanciam cada vez mais de nosso cheiro de macaco... Mas ainda, nos subterfúgios do gene, nos esconderijos dupla-helicoidais de minha memória cósmica ainda restam alguns detalhes que me fazem, em momentos como ora, pensar o quão demasiado humano sou e me comporto...
Por isso, enumerei alguns pontos de semelhança entre o sapiens duda e o primata keiber.
1. Eu como banana de boca fechada.
2. Sei que a hanseníase é a doença mais antiga do mundo e que Cabral descobriu o Brasil antes de escrever loucolunas esportivas no Diário Popular. E sei, também, que não adianta nada saber disso.
3. Cato minhas próprias pulgas.
4. Posso votar e ser votado*.
5. Escolho o canal de TV*.
6. Tomo água tratada*.
7. Raciocino com mente analítica própria*.
8. Não durmo com macacas, isso não...

* Nestes pontos restam dúvidas sobre a vantagem de ser humano ou ser macaco.

A COR DE FUNDO DA ZEBRA


O grande mistério acerca da cor de fundo da zebra assolou uma discussão, ontem pela tarde, em frente a um café conhecidíssimo de Pelotas. Agenor e Pereirinha (nomes fictícios) debatiam sobre os argumentos do primeiro, de que a zebra é branca com faixas pretas, e os do segundo, que afirmava que a zebra era preta com as faixas brancas.
Tomaram café... folharam o jornal... e o tema proposto sempre de pé, a esperar, como esperavam os segundos do velho relógio.
Depois de alguns minutos, ambos restaram convencidos de suas expensas teorias sobre as cores da zebra e foram embora.

Longe dali... longe mesmo... as zebras seguiam (todas zebras, dos zoológicos às savanas africanas) suas rotinas zebrísticas, independente da questão...

MORAL DA HISTÓRIA: Papo de café nem sempre é o que é.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

P.

Aconteça o que acontecer, não o deixe fechar os olhos...

A PRIMEIRA LINHA DE UM CONTO QUE PODERIA TER NASCIDO

Achou a meia, mas não as suas fotos de Trento. Afinal, moravam ele e mais três naquele apartamento... e todas as coisas somem, como somem as horas...