sexta-feira, 8 de novembro de 2013

5 MINUTOS PARA ANGÉLICA I

Atravesso a rua aceleradamente. Entre tantos destinos incertos, apenas mais um. Encontro pessoas, o Nico está indo comprar um jornal... Uma voz feminina me ordena, como é do feitio das vozes fêmeas. Escrevo. Entre tantos livros inertes de poetas mortos (talvez entre eles bons poetas), risco este texto, mais vivo do que sempre. A tinta da caneta tenta sabotar a ideia, rápida como a mosca que voa agora, nesta imensa biblioteca. As árvores fazem sombras na janela, mas a luz do sol entra emoldurada e sem convite. À esquerda e à direita há pessoas que se concentram pelas letras suas. Algumas iluminadas pelo sol invasor, outras, no canto, batem pó. Penso no resto do dia, que me espera sem hora marcada. A senhora quer café? Há tantos afazeres, muitos tolos, e eu me perco em cada pequeno instante.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

5 MINUTOS PARA ANGÉLICA III

A TV ficou ligada na sala. Era madrugada e aquele faroeste parecia quase que real, com tiros cruzando o quarto. Eu reparei no preto-e-branco iluminado na parede e desliguei a tela, acendendo o dia. Ainda tenho alguns minutos, ela disse antes do telefonema, que atendera colocando em risco os minutos que havia, como areia entre os dedos. Morava sozinha e era discreta. Lia o jornal e pedalava. Até ontem não estudava, mas depois daquele papo resolveu voltar a ler e construir o próximo argumento. Então eu seguia acreditando no sucesso da peça, mas era ainda cedo do lado de fora da trama. O café tá pronto, gritou ela da saleta. Havia um pequeno fogão e alguns biscoitos. Uma vassoura em pé sobre a pá pequena e uma pia branca com pequeno vazamento de torneira. Alguns azulejos estavam quebrados, principalmente os do canto da parede, onde, na agora realidade áspera, faziam teias mínimas aranhas. Quer açúcar? Eu disse não. Ela me passou uma xícara vazia e falou que me servisse, e eu pensei em colocar meus planos e os mais profanos pensamentos nos jornais para que um dia ela também lesse. Hoje o dia raiou muito cedo, e eu procuro a hora de voltar pra casa. Sou canceriano, embora acredite pouco nisso, e o morno e rápido café não pode segurar os meus ávidos anseios. Saio andando pela porta da frente e rompo, mais uma vez, as pretensões inusitadas que tinha.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

ABRAÇO (para ricardo chacal)

Abraço de urso, abraço de russo
O abraço dado é o recebido
Abraço chorado, abraço sorrido
Abraço findo ao se partir
Estalos do abraço da sucuri.

domingo, 3 de novembro de 2013

ABSTRATO ABRIL 4


Diga lá então o que pensas do mundo rapaz... os teus conceitos tão teus que queres pra todos... o sabor das tuas frutas, o nome do teu guia, as roupas que mais gostas. Mas o povo é tirano... e sofres porque o povo não gosta do que gostas e questionas a humanidade como se a própria humanidade coubesse num conceito único, lógico, tão óbvio e tão teu.
E por falar nas roupas, na cidade te vêem como as roupas tuas e por isso te preocupas tanto com as golas da camisa, a gravata combinante, o sapato brilhoso, enfim... e é mais fácil tu subires uma grande escadaria e chegares ante os teus com a perna quebrada do que com a calça puída, porque são os teus aparência e argumento que te representam perante outros atores da vida social, mas que não são o que realmente és quando deita-te na cama, à noite, sozinho e desnudo.

***

Sem roupa somos todos iguais.

***

Veja só que no mundo que vives quem tem mais poder é, inexoravelmente, o melhor argumentista. Os líderes, ídolos e profetas são articulados, belos e serenos. E é por isso que a influência que persegues ter é para não só teu uso, mas para estar por sobre os outros, num pedestal de perfeição. Ora correto, ora exato, julgas ser a representação perfeita no teu meio, sem perceber a impermanência das coisas, sem a humildade sensível que diferencia os anjos dos homens, pra quem vencer é acumular, sobrepujar e submeter.

***

Então eu penso que, quando nasci, morri em outro lugar.
E estou agora aqui, também de passagem, como em todos os lugares-planos a que se vá.
É a lógica universal nascer, crescer e morrer.
Rápido e constante passar, isto é tempo.

***

Aquele argumento velho
Mundo tolo, mundo teu
Homens deuses, deus humano
O semáforo dançando...

Mundo tolo, roupa sua
Ordens e indicações
Um lugar que ninguém viu
Abstrato abril.