sexta-feira, 31 de julho de 2009

ESTELA LÍTMICA AMALELA


Estrela, você
manda luz para as retinas
faz andar
meu coração
pelas trilhas do caminho

Garoto, me diz
onde vou achar teu riso
ao que sirvo ser pra ti

E deixa estar
vai crescendo pelo mundo
vai levando flauta ao mundo
que te seguem, os segundos,
como a barba que te espera...

DÁ-ME CÁ UMA COSTELA


Adão sentiu, certa feita, que Deus andava meio fulo, meio de bola-virada. Notou o Velho pelos cantos, chutando o vento, falando palavrão... Até aí tudo bem, pensara, era normal ver Deus de cara... O que ele realmente estranhou foi ouvir uma palavra, da boca divina, que nunca escutara antes (aqui cabe um breve parênteses, pois Adão era daqueles estica-ouvidos, do tipo que disfarça, mas no fundo está prestando atenção ao cochicho alheio. E como, neste caso, no paraíso, eram só ele e Ele, é óbvio que o alheio ouvido tratava-se de Deus).
Enfim, Adão ficara encucado com a nova palavra falada pelo Velho Pai numa reflexão à toa: "PROBLEMA". Problema era a palavra.
Pai... que é isso aí que o senhor acabou de falar? Po... Pro... Problema? O que é?
Quer saber mesmo, Adão? Quer saber mesmo? Então me descola uma costela aí que eu te mostro...

Me perguntou: "Quem é você?"
Eu disse: "Não sei!"
Essa minha mania de ser sincero
Nem é minha, deve ser de alguém
Porque sou uma casa sem paredes...

Ou melhor, sou um papel em branco
Onde não escrevo todo dia
Na infrutífera esperança
De mentir que eu sou isto... sou aquilo...
De falar palavras...

Amanhã eu nem existo
Ontem nem estava aqui
E no hoje, apenas faço de conta que eu sei
Que o trem não passa...
Ou quase nunca passa...

O MENINO E A ROSA


No oeste da estrada
mora um menino
na casa de barro
com barro no chão

Na porta da frente
no pé da direita
um botão de rosa
que vive na espreita

Abriu-se na tarde
sombrinha vermelha
de pétalas rubras
espinho na mão

Um prato de sépalas
um mundo distinto
e já não importava
não estar ali

E quanto ao menino
da casa de barro
nem a poesia
quis dele falar

Também, com a rosa
ele não podia
apenas havia...
se é que havia...

INSUBSTANCIALIDADE


Eu pensei um dia
Que o nome que chamava a minha cara
Fosse aquele pobre nome
De letrinhas portuguesas

Eu pensei que fosse eu
Aquele rosto nu no espelho
Preocupado com a barba...
O desenho do nariz...

Pensei que fosse
Um adendo dos meus planos
Ideias vagas do futuro
E no passado um labirinto onde vaguei

Até que um dia eu descobri
Que sou a soma de todas as teias
Que sou os nomes do vazio
Que sou do zero ao mil...

Descobri que as palavras
São muito tolas, muito vagas
E o que realmente sou
Não é aquilo que minha boca fala.

SAPATOS


Onde moro
Não é onde encontras a minha velha escova de dentes
Onde moro
Está latente, rodeado pelos céus,
Sobre o chão que piso

E o que preciso
Não são trocos nem migalhas
Não é nome
Nem são números de um trabalhador
[devidamente registrado

Preciso apenas
Do próximo agora
Perdido no palheiro dos agoras
[que inda hão de vir

Meus sapatos
só cabem em mim.

SOM DO NADA


E sigo, então, procurando em vão minhas respostas (que nunca são iguais, pois minhas perguntas mudam todo dia).

***

Alguém me chama na janela
Há estrelas pelo céu...
Sons do nada vem de dentro
A voz que ouço é também a voz que sou
A intuição, o sentimento, a compreensão...
Tudo isto está comigo
Em algum lugar da ponte...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A BARBA DE AARÃO


Aarão tinha uma barba. A barba de Aarão. Era vistosa, a referida barba, e cuidada com muito zelo. Recebia, cotidianamente, longos afagos e, de quando em quando, tratamentos específicos da cosmética francesa.
Em frente ao espelho, Aarão reparava, com sua pequena tesoura, desnorteados fiapos que ignoravam o seu refinado senso estético. Penteava o bigode curvo e nele borrifava um desodorante hiper-hidratante à base de pró-vitamina A.
Costumava, no intervalo entre os pensamentos e durante as longas caminhadas pelas ruas, acariciar a longa barba, a barba de Aarão. E tinha belas mãos, embora não recorde seu ofício de origem, mas lembro que árduo não era, pois devia proteger as mãos que protegiam a barba, a barba de Aarão.
Mas foi numa esquina dessas que a vida de Aarão mudou radicalmente. 90º e dera de cara com seu amigo Rúbio, que vinha acompanhado de seu filho, que pra essa específica história não importa o nome, embora posso descrever como aqueles meninos de cabelo vermelho, sardas e óculos, biotipicamente diabólicos. E foi este menino, este pequeno demônio, que, com sua pueril crueza, mudou a vida de Aarão para sempre.
- Tio Aarão... quando o senhor dorme o senhor põe a barba por cima do cobertor ou o cobertor por cima da barba?
Aarão sorriu, desconversou, se despediu e seguiu sua caminhada, regada a carícias barbísticas. Contudo, na noite, após o banho e o tradicional café com leite, coube-se em sua ceroula e pôs-se, confortavelmente deitado, a esperar a dimensão dos sonhos. Mas, antes de embarcar no trem reminiano, lembrara-se da terrível pergunta, aquela do pequeno diabo, e questionou-se se, em seus tranquilos e serenos sonos, colocava a vasta barba, a barba de Aarão, sobre ou sob o cobertor de pena de gansos.

***

Cobriu a barba, mas sentiu-se terrivelmente estranho. Descobriu a barba, e notara-se nu. Cobriu a barba novamente: não! Definitivamente não dormia com a barba sob os panos. Descobriu-a pela segunda vez, mas teve plena e convicta certeza que também não dormia com ela por cima da coberta.
E nesta terrível dúvida que Aarão passou exatos 40 minutos cobrindo e descobrindo a barba (a barba de Aarão) sem saber de fato de que modo costumava se deitar. Levantou-se, insone, e foi tomar outro café. Viu um pouco de TV, acariciando a barba com uma melancolia ímpar... Sentia-se mal, pela primeira vez em décadas, com sua querida (até então) barba, a barba dele. Depois de algumas horas, conseguiu, com muito pesar e desconforto, dormir. E não recordo se dormira com a barba sob ou sobre o cobertor naquela noite, mas posso afirmar que as noites (e também os dias) de Aarão nunca mais foram tranquilas.

MORAL: Nunca levante questões desnecessárias: quem procura pêlo em ovo, com certeza encontrará.

O VIZINHO DE BAGVAM


Bagvam tinha um cavalo, um lindo cavalo baio. Era realmente o mais belo cavalo que havia naquele reino (que por sua vez havia naquele canto do mundo) e que, por sua robustez, alimentava a inveja de todos os lindeiros.
Certo dia o campo amanheceu vazio: o manga-larga de Bagvam havia sumido. Ou fugira ou fora roubado, concluiu Bagvam durante uma caminhada silenciosa pelo prado.
O vizinho rapidamente se aproximou.
Que azar Bagvam... Era um lindo cavalo... Mas eu bem lhe dizia: um dia ainda hão de rouba-lo... Que azar!

***

Passaram-se treze dias. Bagvam abrira a janela e viu, próximo à pequena cerejeira, comendo gramas, não só seu lindo cavalo baio que voltara, mas também um corcel negro, tão (ou mais) belo que seu manga-larga e que retornara juntamente ao outro para seus domínios.
Bagvam sorriu. Abriu rapidamente a porta e encontrou o vizinho observante.
Que sorte Bagvam!!! Além do retorno do manga-larga, você ganhou de presente um lindo corcel negro. Realmente você é um homem de sorte!

***

O filho de Bagvam tratou de domar o corcel negro que chegara, embora fosse extremamente forte e arisco, o cavalo novo. Depois de alguns dias de dedicação e trabalho árduo, o jovem sofreu uma queda e acabou por fraturar ambas as pernas. Imobilizado, passou a espreitar a cavalada pela janela de seu leito, em descanso recomendado pelo velho médico do vilarejo. Mas o vizinho, como de costume, não deixou de se aproximar.
Que azar Bagvam!!! Seu rico e formoso filho... Agora na cama, com as pernas fraturadas... Parece que, de alguma forma, eu sabia que este cavalo preto lhe traria mal agouros... É realmente um grande azar...

***

Sete dias se passaram e, como de costume da humanidade faminta e bélica, naquele canto do mundo, também, a guerra foi declarada. Todos os jovens do reinado foram convocados para a cavalaria e a infantaria, exceto os inválidos, como o filho de Bagvam. O filho do vizinho, com as pernas em forma, juntou-se às centenas de alvos da linha de frente de batalha. E o vizinho, naquele mesmo dia, apareceu.
Que sorte a sua Bagvam... Seu filho foi poupado da guerra. Isto é realmente muita sorte...


MORAL: O julgamento é a armadilha dos idiotas.

BREVÍSSIMO ENSAIO SOBRE O DESTINO VAZIO DE UMA CASCA DE OVO

A ponte é um caminho
Com entrada e com saída
E o que liga as duas pontas
É a vida... é a vida...

SEU CHICO


O grande barato de tudo é que toda morte é uma lição de vida, isto sim. Cada vez que olho um corpo inerte percebo que meus minutos escorrem na pequena ampulheta da vida. Faço, então, uma análise axiológica do que sou, do que construo, do que amo e por quem me atiraria na frente da bala. Vejo que a muitas pessoas (como o Fred) fico muito tempo sem dizer Te amo, És importante, Dá-me cá um abraço e outras frases do gênero. E é realmente quando percebo que o trem chegou no fim da linha que reparo em algumas de minhas intermináveis falhas, no quanto ainda posso ser melhor...

***

Fiz algumas exposições de fotografias de alguns amigos/conhecidos, dentre eles um cara chamado Chico Madrid. Só que o Chico eu não conhecia, embora gostasse de seus retratos. Imaginava ele um cara velho, careca, baixinho... sei lá, era o meu Chico imaginário (eu adoro essa brincadeira de imaginar as pessoas pelo nome que têm. O Décio Pinto, por exemplo, é um cara recalcadíssimo. Magro, narigudo, semicalvo e um ar de melancolia entre os dedos com cigarro. A Gertrudes Guttemberg é uma alemã gorda, dona do mercadinho na Vila Nova, uns 75 anos (14 na escova), óculos e com franja na testa).
E foi um dia, lá no Trilha, onde acendia a chama de nossa grande amizade, que o Fred me comentou, enquanto tirava umas fotos do lugar: O Chico Madrid sou eu!
O Fred, aquele bebezão gordo, era, na verdade, o Chico Madrid. E vice-versa. Eu errei o pulo no jogo da imaginação e vi um ídolo virar amigo.

***

Parta com deus, grande irmão, nosso jagube, nosso orangotango predileto. Cantaremos muitos hinários para (e com) você aqui de baixo... Deixe, por nós, o céu mais equilibrado...

***

E antes que eu me esquça, a todos que me amam: Eu amo vocês também. A todos que nem me conhecem: Amo vocês. E àqueles que não topam com minha cara: Se lasquem (ainda não estou pronto).

EU?


Eu, variavelmente inquieto, me prendo à mania de significar as coisas, de dar valor e simbologia à matéria. Adjetivo, substantivo e até mesmo adverbeio todas as nuances e formas, pois tudo é vazio e (apenas) quem interpreta sou eu.
Um cactos no deserto existe por si, mas não existe para mim. Ao que não vejo, não dou tom. Assim concluo que o mundo acaba quando eu acabo.
Ao cabo disso, percebo que todos os valores (a beleza e a feiúra, o bem e o mal, e muitas outras dualidades específicas) são regados por minha mente ativa. Então questiono: o que é o mundo? O mundo de fato é o que eu queira que ele seja. Sou eu quem alimenta o mundo (o meu mundo) com palavras e conceitos. Portanto, a essência das coisas está no vazio... está lá onde eu não estou. Está no terrivelmente curto espaço branco que intercala os meus pensamentos.

FROM BAGÉ


O Moreno sonhava morar no Rio... seu afã de ser carioca era tanto que ele até falava com falso sotaque: Bagé, cidadi di mérrrrda.

VOU


Vou ficar aqui
Hoje a noite está tão bela
Vou contar estrelas, deixar o tempo
Vou navegar em pensamento pelo cosmo
Procurando vidas

Vou ficar no frio
Abraçar a madrugada
Entre o tudo e o nada,
Entre o início e o fim de outra onda encantada...

Vou fechar os olhos
Por muitos eons
E abrirei pensando se inda estou aqui...

Vou respirar a brisa
Que molha as pétalas

Vou...