domingo, 30 de junho de 2013

CINE-EU

O Dico e o Nando me falaram que, quando eles eram pequenos, nos remotos idos da TV em preto e branco, havia um macete (da série Truques & macetes) de sobrepor à tela um pedaço de papel celofane colorido (as TVs mais modernas já vinham, inclusive, com pequenos e especiais ganchos para prender o papel celofane, pode?). Então, magicamente, a imagem se tornava colorida...
O papel celofane, além de colorir os filmes do Batmasterson e os jogos do Pelé, era o anúncio de que a tecnologia estava a galopar a passos largos rumo aos dias de hoje...
[se é que alguma vez a tecnologia não tenha cavalgado a passos largos.

A tecnologia não desmonta o cavalo...
A tecnologia está condenada ao cavalo, assim como São Jorge!

***

Pai do Alex jogou toda pipoca pro alto da primeira vez que sofreu um ataque bombástico dos avatares de sua nova TV 3D.

***

O Alexandre quer comprar uma TV que faz até cafezinho e fecha palheiros como ninguém. Que tem o controle remoto que acompanha o olho do espectador; que acompanha até os pensamentos do espectador, com wi-fi conectado no sofá. Ele quer uma TV que diga as notícias antes dos fatos, que o resultado do jogo apareça antes do sorteio da tabela e que pegue internet, óbvio... e que loucura deve ser o encontro da TV com a internet!!!

***

A TV, pra mim, foi o invento mais sedutor (e poderoso) da humanidade. Aí alguns vão dizer: e a roda? E o fogo? Ora... a roda serve pra nos levar mais rápido pra frente da TV e o fogo serve pra climatizar o ambiente antes do jogaço das 9.

***

Agora, como surgem novas tecnologias, eu também tô pensando em inventar uma TV. Mas não uma TV qualquer (daquelas com botão girador de 12 canais e antena de mosquito), eu tô a fim de inventar uma TV inédita, que seria a sensação do momento... seria tão tentadora quanto irresistível... o ápice da raça humana... o sonho de consumo de toda família moderna... só que eu ainda tô pensando que irresistibilidade seria essa... onde é que eu pego essa tal humanidade?

***

Eu pensei em criar uma TV que mostrasse ao espectador um filme sobre si mesmo... que revelasse seu passado e, como no mesmerismo e na psicanálise, o catapultasse pra uma análise única e exclusiva de sua personalidade, tão profunda e intensa, tão reveladora, que depois de assistir ao seu filme nunca mais a pessoa seria a mesma... Ela teria consciência de seus traumas, vícios e virtudes... seria uma superpessoa! Ela entenderia seus defeitos e limitações e sacaria (em uma só sessão do Cine-eu, é... Cine-eu... esse aí é o nome do programa das 10), de imediato, sacaria, todo caminho de sua vida ante a luz nem tão retilínea do que chamamos destino...
O espectador sairia da sala com cara de zumbi... a mulher assustada na cama... que cara é essa? Que foi que aconteceu homem-de-deus? Fala-homem! E eu sei de tudo seria uma resposta recorrente; eu diria que recorrentemente avassaladora.

***

Eu vou falar com o Helio di Pinho pra gente patentear esta TV.
O meu único receio é de que ninguém queira conhecer a si mesmo e prefira seguir utilizando falsas máscaras... falsos artifícios.
Como um papel celofane na frente do televisor.
E prefira ficar sempre com novas ilusões de velhos canais...
[violentas e fictícias programações que não permitem desgrudarmos desta (magnífica) caixa pandorística...

Pois entrar dentro da TV é bem mais simples que entrar dentro de si mesmo...
E a novela é bem mais interessante

[que a vida aqui do lado de fora da tela.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

POEMA PEDRA

Cest le concrete poeme
Concreto e armado
Com 4 pés no chão
Como um gato
[e cai ereto

Um contemporâneo
Jovem que talvez não se finde hoje
[nem amanhã

Aqui, neste papel tão branco
Cheio de esperança
[que o poema nasça

Em sua papelidez...

Um poema na areia
Estático, sintático e opaco
Saindo de sua (confortável) esfera abstrata
Que o conduzia até então
Por ondas azuis...

Um poema que vira pedra
Silencioso e vivo
A vidraça estilhaçada
Os cacos no chão por um poema jogado
[tão gratuitamente jogado
Que restou vago,
Como se não tivesse sido.

TERRA: QUEM POSSUI A ESCRITURA?


Um colono judeu se retira com a família lentamente do assentamento em Homesh. Deixa uma vida para trás... olha tudo o que construíra sobre os ombros pela impossibilidade racial de sua ali presença. No outro lado do mundo, um mexicano é morto ao tentar cruzar o muro de 3.140 km na divisa com os EUA... No mesmo instante, no Brasil, uma outra muralha é levantada sob a Ponte da Amizade para separar as economias tupiniquim e paraguaia. No Golfo, xiitas iraquianos preparam uma emboscada letal para crianças sunitas, enquanto que em Berlim, um neonazista espanca um negro na calçada, onde antes ficava a muralha que dividia os olhares do ocidente e oriente.
É manhã no Laranjal. Um Jorge Drexler toca enquanto olho a chuva na janela. Tudo parece estar esperando a água parar... Mas a Terra segue girando na grande janela das dimensões, filha do tempo... E em sua linda pele verde-azul, todos os seres convivem. Penso nos grandes predadores, nas sagas das espécies, na cadeia alimentar como representação da harmônica relação dos animais, que respiram a contemplação de sua curta e finita existência almejando nada mais que um bom ninho, um parceiro da procria e uma comida satisfatória, já que a gula e a angústia não cobiçam os “irracionais”. Eles não desejam mais do que precisam, não destroem a mata que lhes dá abrigo e ar nem poluem a água que bebem. Alguns estipulam fronteiras, sim, mas baseados apenas no instinto de proteção de seus aspirais genéticos, ao contrário da racionalidade do homem, o único ser vivo que produz lixo e delimita espaços com sua vil noção de “propriedade” e raça.
Proudhon dizia que “a propriedade é um roubo” e, de dentro do contexto social desta afirmação há, contido, um significado cosmológico também. A Terra não pertence ao homem. O mundo não foi “feito” para que tirássemos o máximo de proveito dele, com um desespero consumista e um desrespeito generalizado com o milagre da vida, com as gerações vindouras, com as espécies que por todo globo se espalham, cada qual com sua beleza-viva. O planeta não é da burguesia, mas também não é da prole. Não é dos chineses nem dos hindus. Deus não é americano nem islâmico nem judeu. Deus é uma flor, um rio, um sorriso e todas as manifestações de amor e de solidariedade. É os milagres que acontecem nas entrelinhas de nossa mecânica e opaca percepção... milagres são naturais, ora bolas. Eles acontecem sim... a própria água limpa que tomo agora não me veio da torneira, como dizem. Veio do sangue da Terra, da vontade dos ventos, do mágico céu que não suporta gotas e onde voam os aviões. E enquanto agora um botão de flor se abre, cientistas aperfeiçoam a bomba H.
O que falta então ao homem para alcançar um convívio de paz? Como alcançar uma vivência harmônica, não-violenta, onde o homem perceba que as fronteiras fazem parte apenas de seu imaginário? Como correlacionar o meu direito ao direito do outro sem haver agressão? Talvez a simples resposta esteja dentro de cada indivíduo, pois cada um pode fazer a parcela que julgar necessária sem cobrar de seus espelhos-irmãos. A cada um cabe derrubar os muros do preconceito e da intolerância que traz na alma.

***

Penso, então, no que é de fato uma revolução.
Toda revolução vem de dentro...

quinta-feira, 27 de junho de 2013

CEST FINE

No final
Saberei se houve, realmente, um fim...

quarta-feira, 26 de junho de 2013

MORRINHA

Fiz uns exercícios
Com um poema amigo meu
Cinco quilos de palavras de um lado
Treze rimas sobre a barra

Mas o grande problema
[meu

É que a academia
Tem uma morrinha
[permanente


Talvez é que eu não aguente
O cheiro de uma carta pronta
[uma música pronta

Não suporte ver tão pronta
[tão pronta e tão acabada

Que não há mais nada
Que possa acontecer a ela...

SONHEI CONTIGO

Sonhei contigo
Um campo de trigo
Dourado como teu cabelo
No sonho que sonhei contigo

Era outra pessoa
Que me sorria naquele trigal
E eras tu, ao mesmo tempo,
Porque eu já te conhecia...

Eu passei voando
Tu olhavas e me sorria
Um gigante penhasco...
E eu saí do mundo do sonho que sonhei contigo

Restou de verdade a manhã
Uma falsa lembrança de ter havido
Ou é ávida esperança
De não ter dormido...




terça-feira, 25 de junho de 2013

O CAVALO DE TURIM

Eu vou galopar
Em alta velocidade
Rumo ao fim

[Eu vou galopar
como galopam as coisas
da gênese ao término

Eu vou descontar as horas
Que foram jogadas fora
Quando pensavas em mim

Vou abraçar o teu pescoço
Vou te perder pouco a pouco
Mas vou ficar bem assim...

Eu vou entrar
E acordar
Em outro sim.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

FREUD MOLES

Freud com sua barbuda cara
Dizia coisas das vergonhas alheias

Ela queria ver Freud pelado
Lhe apontar o dedo e rir

Ele, com seu freud mole na mão
Acharia uma saída analítica
[e muito bem explicada
Sobre aquela situação

Uma agenda
Anotações
Verdades que ele, Freud, não contou
[a nenhum amigo íntimo.

LA MADRE BARRE

Una madre llena de niños alrededor de las pechugonas
Se expresa en palabras como pureta
Una madre deja de ser una
[seductora

Creciente vientre
Varices, gusanos, preocupaciones

La madre, no la boca
No sabe qué hacer con el pecado del hijo
Sí afecto o refugios
Y sí assombra
La madre barre su hijo bajo la alfombra...

domingo, 23 de junho de 2013

UM BARCO PASSA


Um barco passa
Nele, a vida
O vento sopra os galhos, traz palavras
De outros horizontes, outros vendavais
Eu busco respostas
O que me faz bem?
Eu sonho, eu canto

[uma canção repentina
Eu sou o sonho de alguém...

Eu chego, eu passo
Luz no corpo
Eu sou palavras, tão azuis, sem nuvens
Que no silêncio que enche a tarde
Buscam tua pele como o sol que te ilumina
Em qualquer lugar...

O barco passa
Tanto sal, tudo tão imenso
Onde nascem todos pensamentos?
Castelos de areia,
Cartas que não leio mais...

sábado, 22 de junho de 2013

OUTRA CHUVA

A água sobe o vidro
O tempo observa, então 
As coisas que pensaste em dizer
E em não dizê-las deixaste
Um silêncio em vão...

Um dia tão frio
A luz acabou aqui
Onde a cortina deste cinza céu 
Em gotas 
[gotículas
Através da janela da chuva
E pelo silêncio suas gotas murmuram...

Eu escuto a lagoa, que em ondas vai e volta
Tua vaga ideia
Que na areia se desfaz...

Outra chuva
A levar consigo os rastros do dia
Mais uma noite sem ti, tão longa e fria
Sem perfumes...
Uma gota sobe o vidro
A brotar, como brota esta saudade agora
Quase sem hora
Quase sem sentido...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

MEIO DA TARDE


Era meio da tarde
O dia quase já sem esperança
Andava tão depressa fugindo do anoitecer... 

À luz do sol parada, as coisas mudam de lugar
Derramam-se em sombras nos ladrilhos das calçadas
Cada vez mais distantes, negras, espichadas
Agora, tarde, pelas luzes do luar

Eu penso em tua luz tão colorida
[tão imensamente colorida e clara
Que nenhum corpo ousa interromper

Crescente sombra tua que a luz deseja
Que deita entregue pela noite ainda acesa
E reaparece ao amanhecer...

terça-feira, 11 de junho de 2013

A LÁGRIMA TUA

Por quedas e pedras a lágrima vai
Incessante destino ora inexplorado
Do teu lindo rosto por onde se esvai
A água salobra de um amor amado...

Um rio, um caminho
Paixão navegante
Andante entre imagens

A lágrima ida, outrora tão tua
Perdida anda nua
Por entre as margens...

CARONA DE CONFILTRO

O Confiltro era um maluco que dirigia um carro imaginário pelas ruas da cidade. Ele trocava as marchas, fazias as curvas, dava pisca e estacionava de ré, enquanto, por entre os lábios, roncava o motor 2.0.

***

A Mêtcha era uma mendiga russa tão (ou mais) louca que o Confiltro... Ela pedia roupas velhas e comida pela grade daquela casa da infância
[a cada dia mais distante

e eu ainda lembro do seu cheiro e de suas histórias sobre uma família que nunca existiu...

***

Um dia ela, Mêtcha, conheceu o Confiltro e foi paixão à primeira vista; literalmente um louco amor.
Eles passeavam juntos no carro imaginário do Confiltro, a Mêtcha atrás, o segurando pela cintura... Buzinavam e acenavam quando passavam pela vizinhança... um passeio tranquilo de carro imaginário por uma cidade pacata do interior... um casalsinho loucamente enamorado... o amor é lindo... e as más línguas diziam que ela, Mêtcha, era maria-gasolina e só estava com o Confiltro por causa do carro...

***

Mais louco que a loucura.

***

Várias pessoas, cheias de planos
Querem me explicar os seus desenganos
Suas maravilhosas ideias que não deram certo
[mas darão um dia

Querem me arrastar pras suas loucuras
Como um carona imaginário...
Mas eu quero ir a pé
Tranquila e serenamente caminhando
Pelas calçadas, cordões e beiras de rua
Onde às poças brilha a mesma lua
E eu possa escolher minhas esquinas.

***

De carona com louco?
Só se eu dirigir!

segunda-feira, 10 de junho de 2013

GRIGRI-GRAGRÁ


Os sol rasgou as nuvens pra lhe ver
Colibris e borboletas vêm cheirar você
Eu penso naquilo que você me disse
E já não sei se só pensar é uma tolice

Os dias passam
A grama novamente cresce
Quando, brilhantemente, você de novo aparece
A possuir meus pensamentos pela noite
Dominada por um insistente
[e pequenino grilo...

Ele vai traquinando sons com seu singelo pelo
E eu a desejar o seu doce cabelo
Também querendo fazer sons na madrugada...
Como se fosse nada
[ou quase nada...

Que fosse passar...
Um grilo lá
Grigri-gragrá
Fazendo a noite engrandecer
Como até um simples grilo
Faz lembrar você?

terça-feira, 4 de junho de 2013

DIAS DE MENINO

O céu tem estado tão azul
E eu comprometido com tantas bobagens
Tolo pelas tolices,
Pelas calçadas,
Por onde andam os teus pensamentos
Tão desencontrados dos meus...

Pela janela eu vejo um pássaro
De esperança
Começar a cantar

Ainda é cedo
Estou de volta
A uma casa derradeiramente transitória.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

ALINE

Tanto tempo se passou
Desde que você chegou
As coisas mudam sempre, eu sei
Como a chuva, os amores...
Os lugares onde pisam os teus pés
Incessantes, como o vento...

Não te preocupes com o tempo
Chuva forte sempre vai embora
Outro dia, outra manhã
Desenhando em cores um possível horizonte
Um monte, uma breve paisagem
Até a noite de passagem, 
Sempre de ida, como a vida,
Aline...

sábado, 1 de junho de 2013

UM REINADO

Um príncipe conhece pouco do mundo. A não ser pelas opiniões e conselhos das várias pessoas que o cercam cotidianamente, incutindo em seu pensamento ideias abstratas acerca da realidade e protegido demasiadamente pelo principado, um príncipe pouco vê. Por isso, um príncipe inteligente está sempre se cercando de gente notável, de grandes artistas, cientistas e intelectuais. Pessoas sensíveis que possam ver o mundo e deitar a ele, o príncipe, informações, sucinta e didaticamente, advindas de suas célebres interpretações do que é o mundo e a existência. E é por isso que Dostoiévski diz que nada serviu tanto o despotismo como as ciências e os talentos.

***

 Muitas cabeças foram cortadas pela dádiva da sensibilidade dos assessores monarcas.

***

Eu acordo,
Eu penso no meu dia
A manhã muda de cor, embora fria...

Eu tomo café,
Eu leio as novas sobre o futebol
Enquanto a Terra gira um vestido de sol...

A noite chega,
Esparramando as sombras em seu movimento
Um dia a mais?
Um dia a menos?
Esparso tempo para ser pequeno...

***

Hoje de manhã eu era outro e, consequentemente, o mundo também. Pelo menos o meu mundo, a minha prancha oportuna e necessária, da qual eu nunca desço... o meu ponto de vista, viciado em meus desejos e misticismos matemáticos... Mas o mundo a meu redor parecia outro, completamente outro... Havia o sol entre as folhagens e vários beija-flores zuniam pelo jardim... Os jasmins ainda exalavam o perfume que sobrara da noite... os pássaros cantavam esperança nos galhos secos da aroeira e eu lembrei da música que dizia que não se precisa morrer pra ver deus.

***

Eu vi a grama, molhada pelo choro da chuva... e um verde gris, agora iluminado e úmido, verde novo e claro. Permaneci sozinho num breve tempo-espaço
[embora nunca se está sozinho nem mundo onde todas as coisas estão conectadas...
o tempo parado no ar... tive uma momentânea (contudo parecia eterna) sensação de beleza... um mundo belo onde eu estava imerso e envolvido... repleto de detalhes, de suntuosidades... as folhas também tinham cheiro e havia um sincronismo entre zilhões de formigas... havia uma realidade acontecendo por entre o silêncio, e eu preciso do silêncio como preciso da água, então me senti pleno... percebi um mundo acontecendo pelo tempo e me senti um rei.

***

Ontem o mundo era igualmente belo ou eu não percebi?
Talvez o mundo permaneça igual e eu esteja diferente.
A única coisa que permanece sempre igual é a impermanência...
Pro dia...
Pras noites...
Pros reis
[pra toda realidade.

***


O verdadeiro reinado vem de dentro.