sábado, 28 de setembro de 2013

VIDA PERNETA


O Gordo Tetéu fez uma acentuada e irresponsável curva pra esquerda e foi colhido, com sua moto, por um carro em alta velocidade. O impacto arrancou a sua perna logo acima do joelho e ele passou a ter um novo e bulinático apelido: Gordo Perneta.

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O Gordo Perneta dizia que seu membro (que não existia mais) coçava. E eu fiquei me indagando, pois já ouvi histórias sobre pessoas que perdem mãos e pés e eles seguem doendo, coçando, incomodando como não faziam antes, quando, de fato, existiam.

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O taradão perdeu a mão e deixou, por certo tempo, de acariciar um bumbum feminino. Contudo, seu prazer não se findara... muito antes pelo contrário. Diz ele que depois da amputação, quando passava uma mulher bonita, ele fechava os olhos e a mão inexistente se deliciava com uma pseudo e etérica bunda.

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O fato é que eu já estou há 5 dias em Santa Rosa, minha cidade natal.
Neste curto espaço de tempo, revisitei pontos onde minha infância aconteceu.
O sítio do pai, o arroio onde eu e o Ale tomávamos banho... o bar do merengue, as pedras, ginásios... reconstruímos vários momentos que ficaram (ou pareciam ter ficado) para trás.
As pessoas que cercam o ambiente onde eu cresci, hoje, são completamente diferentes... novas crianças, tios que já partiram. Há uma calçada nova e um cachorro que eu não sei o nome. O galpão virou garagem, o bolicho, mercadão. Trocaram o antigo calçamento por asfalto, e poucas coisas eu reconheço, embora a essência do que me forjou ainda permanece, como uma alma escondida atrás de um muro, como a ex-perna coçante do Tetéu.

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Pensando nisso, vi que minha infância, em certo ponto, hora após hora, também vai ficando num lugar distante... as memórias também vão se perdendo, em sua grande maioria, e eu daqui, deste exato presente, vendo tudo o que me cerca, minha mãe ficando velhinha, sinto que tudo passa muito rápido... sinto que a vida, como a infância, vai passando sem parar, e eu teimo em olhar pra trás. E então, reconhecendo aquilo que fui, faço perspectivas tolas, como se tudo fosse eterno... mas percebo também que o que finda, aquilo que passa e não existe mais, deixa no ar uma tênue energia, um cheiro de realidade, uma infância que insiste em ficar, como aquela mão que não está mais no corpo, como uma perna que não existe mais.

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