domingo, 20 de outubro de 2013

OS PÁSSAROS E AS FORMIGAS


É esta uma das coisas que mais me entretêm: ficar olhando silenciosamente os pássaros chegarem lentamente ao alpiste, numa cena momentaneamente eterna em que ouço o vento balançando os galhos e vejo dançarem no chão as sombras criadas pelo sol da tarde. Reparo pequeninos detalhes do lugar... uma borboletinha marrom e seu célere mundo, a organização das formigas, as flores do cinamomo que deslizam pelo ar, o remoto grão de areia que reluz entre os demais. 
Eu poderia estar com pressa, talvez a que possuem os solitários... Eu poderia também estar traçando planos de trabalho ou abrindo novos anexos de responsabilidade enquanto estes pássaros cantam e comem alpiste, mas o silêncio é quase impossível na cidade e a humanidade está sempre a correr para dentro dos shoppings. Eu poderia estar em tantos lugares, tantas gentes esperam por mim, mas a solidão e o silêncio é o que mais alto me chamam, aqui, junto ao muro verde que me cerca, junto à fauna alada dos pardais, asas-de-telha, sabiás e canarinhos. Junto às formigas que andarilham entre meus gigantes pés.

***

O pardal prefere ciscar o chão. Tremendamente próximo ele chega da humanidade, a qual aqui eu represento como único exemplar, um inerte dominante. E de mim chega tão próximo, sem medo nem pronome nem vergonha, e eu, como ele, cisco pelo chão as novidades deste micromundo neste macroperpétuo instante. Enquanto isso, numa mesa de reuniões, alguém discute sobre vaidades e honorários, sobre horas programadas de outro dia egoísta sem paixão, que ignora se é um dia a mais ou dia a menos, pois viver passou a ser a conquista de moedas e a obtenção da razão.
Hoje o dia tem o céu azul. As horas já deixaram de ser tempo e eu percebo que ter razão é ter bagagem. Eu vejo as coisas tão pequenas pelo chão e elas me vêm imensamente grande, mas a diferença entre estas dimensões é apenas um ponto de vista... um entre tantos outros que existem entre o fato e a verdade, entre o ser e o existir, e ter razão então passou a ser desnecessário, como é desnecessário qualquer julgamento sobre as coisas ao redor.
Ter razão é estar preso... Ter razão é estar numa gaiola da verdade... é manter um patrimônio obsoleto acima de tudo, um bigode ridículo na cara... pois a verdade pode vir a ser uma tatuagem que não se quer mais. Por isso, quanto mais eu penso estar convicto, menor estou, mais distante do vazio, que é a imensidão mais factível onde todas as verdades se encontram.
E é isso que eu aprendi com os pássaros e as formigas.

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