A TV ficou ligada na sala. Era madrugada e aquele faroeste
parecia quase que real, com tiros cruzando o quarto. Eu reparei no
preto-e-branco iluminado na parede e desliguei a tela, acendendo o dia. Ainda tenho
alguns minutos, ela disse antes do telefonema, que atendera colocando em risco
os minutos que havia, como areia entre os dedos. Morava sozinha e era discreta.
Lia o jornal e pedalava. Até ontem não estudava, mas depois daquele papo
resolveu voltar a ler e construir o próximo argumento. Então eu seguia
acreditando no sucesso da peça, mas era ainda cedo do lado de fora da trama. O café
tá pronto, gritou ela da saleta. Havia um pequeno fogão e alguns biscoitos. Uma
vassoura em pé sobre a pá pequena e uma pia branca com pequeno vazamento de
torneira. Alguns azulejos estavam quebrados, principalmente os do canto da
parede, onde, na agora realidade áspera, faziam teias mínimas aranhas. Quer
açúcar? Eu disse não. Ela me passou uma xícara vazia e falou que me servisse, e
eu pensei em colocar meus planos e os mais profanos pensamentos nos jornais
para que um dia ela também lesse. Hoje o dia raiou muito cedo, e eu procuro a
hora de voltar pra casa. Sou canceriano, embora acredite pouco nisso, e o morno
e rápido café não pode segurar os meus ávidos anseios. Saio andando pela porta
da frente e rompo, mais uma vez, as pretensões inusitadas que tinha.
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