sábado, 19 de julho de 2008

TREM



Concentrado nos breves segundos contemporâneos à minha existência, parado, eu olhava pro vazio... pro vazio das pessoas.
A menina era a primeira da fila... suas compras foram somadas e o monstro-caixa lhe cobrava os centavos de seu tempo. Atrás dela, todos iguais... Exceto na incompreensão pela demora da escrava negra que atendia no wallmarket... uns xingavam... ourtos resmungavam... todos batiam pé, como se o tempo lhes fizesse falta. Na verdade são eles, homens, que se distanciam do verdadeiro tempo-arte.
Onde nossa nave pousará?
As crianças fumam crack e dormem no frio. Anjos falam baixo nas praças de sua prostituição. O homem se engana na velha política... O pai se embebeda... o bêbado mata... o morto renasce, no fluxo constante das encarnações. Quem tem culpa? Quem é a vítima? Talvez tenhamos todos descido na estação errada ou, quem sabe, somos o ontem que segue indivisível, no mesmo medo dos passos e das transformações... com receio de abrirmos a janela...
E embora eu saiba que não há respostas, me cobro todo dia pelo prato que eu como. Me culpo por todos os meus privilégios, que são bolas de chumbo da alma; que me aprisionam do lado de fora...
Nossa fome é nossa governanta.
Um amigo diz que "É assim e não adianta". Outro me chama pra brindar... e entre o bem e o mal, que são fantasmas de meu ponto de vista, sigo respirando... e o ar que inspiro (e um dia faltará na carne podre) me sugere mato... me sugere letras... E eu busco, em tudo que me rodeia, o que eu mesmo sou...
Datas, poemas, ruas, sol, risos e telejornais... músicas, paisagens, folhas... Não posso descer do trem-de-mim antes da última estação, mas quero viajar na primeira classe da resposta "nada". Sem a bagagem da mente faminta, do medo, do velho e arcaico pensamento quadridimensional... Quero me livrar das coisas que pesam... sem pesar, para que, no dia da última viagem, eu possa chegar contente na nova estação do sempre.

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