sexta-feira, 12 de julho de 2013

PEDRA MARRONZINHA


Quando eu era pequeno, o mundo era muito maior.
Meus colegas de colégio, também pequenos, observavam o mundo assim como eu...
Aquelas professoras gigantes e poderosas...
A diretora brava...
Os imensos corredores, árvores do pátio...
Tudo era super-significante...

***

No final de ano, a turma preparava uma peça de teatro pra apresentar aos pais.
Era aquela grande confraternização...
Carros e mais carros no estacionamento...
Barulho de gente...
E a criançada tensa ao ver chegar rapidamente a hora de estrelar.

***

Naquela peça tinha lenhadores, lobo e menininha...
Tinha padre, professor e médico alucinado.
Vários papéis de destaque...
A criançada brilhava, os olhos dos pais brilhavam, a fivela do cinto do diretor brilhava.
Só que pra mim sobrou um papel não muito interessante: a Pedra marronzinha.
Eu era a pedra tão quieta quanto participativa...
Permanentemente no canto do palco, louca para ser amada em sua eterna vida pedrática!

***

Eu acordei com uma dor incrível na nuca.
Talvez fosse a sobra da supergripe que peguei...
A mãe das mães dos vírus.
Então, enquanto a dor me incomodava a parte traseira-direita da cabeça, eu olhei pros meus filhos...
Eles acordavam lentamente, tomando tetê...
Eu olhei pra Nena na cama e pensei:
E se eu estiver morrendo?
E se eu estiver de fato chegando ao fim?
Então pensei nas coisas que faço hoje... minhas ocupações e objetivos na vida...
Percebi repentinamente que meu cotidiano é repleto de bobagens...
De coisas e missões que eu realmente não acredito!
De pessoas chatas...
[talvez tão chatas quanto eu!

E concluí que, se eu tivesse certeza que estivesse morrendo,
Poucas das verdades que me cercam seguiriam comigo!

***

Na real, a falsa sensação de eternidade é a pior forma de perecimento.

***

Se me restasse poucos dias, eu deixaria de fazer quase tudo.
Trabalhar, bater ponto, projetos inúteis...
Pra quê cronogramas e objetivos?
Pra quê construções?
A morte, na verdade, representa a liberdade de todas essas limitações...
De todos estes intuitos humanos...
De toda essa estúpida forma de organização social, chave de casa, carteira de identidade, contas...
Niilismo... O nada... E Nietzsche que se vire no caixão!

***

Estar vivo é estar preso à peça insossa e infinda.
Uma peça onde julgamos ser os atores principais...
Diariamente principais...
Cheios de razão e verdade, de metas e conquistas...
Importantes egoístas à espera de sucesso... cada vez eu quero mais, como diz aquela infernal e psicossomática música carnavalesca...
E não reparamos aonde está o fim...
[a lógica inexata do fim, onde aplausos são desnecessários...

E persistimos grandiosamente em cena,
Brilhando, como a fivela da profe...
Pensando ser o doutor, o pai, o lobo...
Sem perceber que neste finito lapso que chamamos vida
Ser a pedra marronzinha é uma dádiva de simplicidade...
E permanecer sereno, observador

[de canto!

É um privilégio disfarçado de demérito...
Assim como a vida, tão rápida e fugaz,
Se disfarça de eternidade...
Para que nunca saibamos, em nossa pueril mente insana,
Que a peça está chegando ao fim...
Juntamente ao complexo mundo que formamos em nossa volta...

***

E como não crer nas utopias
Se a vida de verdade parece tão inverossímil?

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