terça-feira, 16 de março de 2010

ARÃO E A MOEDA DE PRATA


Artur Arão terminava a derradeira cachaça daquele longo dia, enquanto a madrugada comia a noite, que comera o dia, que abrangia todos os lugares, inclusive aquela pensão malogra. Repentinamente, entre os uivos do vento na janela, escutou passos se aproximando pelo lado leste... mas, diferente do costume, aqueles passos não tinham cheiro de gendarmes ou brigadianos, que o perseguiam Missões afora.
Calçou a garrucha e, com suspiros diminutos, espiou entre as frestas de pinus do velho quarto dos fundos. Viu, conforme as falácias dos antigos, o fantasma do gaúcho que matara em Giruá, que se aproximou e cuspiu no seu copo de canha.
Artur sabia, como sabem os matadores, que fantasmas gostam de vingança. Mas aquele, especificamente, tinha algo que o incomodara: o olhar de ira. Artur Arão lembrou do mito que diz que quando enterrada uma vítima de homicídio, se os seus desejarem vingança, o sepultarão de bruços, com uma moeda de prata dentro da boca. Desta forma, a alma penada perseguirá seu assassino para sempre...

***

Arão foi à cova de seu inimigo. Na calada da noite, escondeu o cavalo e seguiu a pé, para não chamar a atenção das milícias que queriam sua cabeça numa bandeja. Depois de encontrar o sepulcro, cavou e, como de suspeita, encontrou o morto de bruços, com uma moeda de prata na boca. Desvirou o corpo e sacou a prata dentre sua dentição...
O fantasma nunca mais apareceu e a moeda lhe rendera dez vezes mais cachaça do que a cuspida pelo espírito malacara.

***

Arão só tinha medo de uma coisa: da eternidade.

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